Considerado uma das maiores autoridades em medicina do exercício e do esporte no País, Samir Daher possui mais de 25 anos de carreira. Graduado em 1992 pela Faculdade de Medicina do ABC, o especialista se interessou pelos exercícios físicos como medida de promoção de saúde quando ainda era estudante. “Me lembro de um professor falando sobre a importância de se praticar exercícios físicos, mas não falava onde fazer. Aquilo me despertou curiosidade, como interligar o sistema de saúde ao sistema de fitness”, conta.
Em 1996, concluiu a residência médica em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital do Servidor Público Estadual – SP (HSPE) e formou-se especialista em Ortopedia pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT). Depois disso, cursou pós-graduação em medicina do esporte pela Universidade de São Paulo (USP), em 1997, e se especializou pela Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte. Finalizou sua graduação na especialidade, pela Universidade de Toronto/Canadá, em 2000.
Como diretor médico da Confederação Brasileira de Handebol (CBHb), Daher participou de diversos campeonatos mundiais, campeonatos Sul-Americanos e Pan-Americanos. “Muitos eventos eram fora do País, então era preciso buscar parcerias de instituições para ter apoio em caso de qualquer imprevisto, de qualquer lesão ou necessidade de remoções. Havia também a questão das refeições em países com cultura diferente, com necessidade de adaptar a alimentação da equipe, além dos cuidados com o doping. Tudo isso demandava um cronograma logístico e um plano de contingência de emergência altamente detalhado, o que envolvia um relacionamento interpessoal e um conhecimento do funcionamento das instituições locais aprofundados. Foi uma experiência riquíssima e transformadora”, afirma o médico.
Outro projeto marcante neste período foi o campeonato mundial organizado pela CBHb no Brasil, em 2003, para o qual Daher foi designado como o diretor médico geral. “Eram 18 países e cada um vinha com sua necessidade, não só dos atletas, mas da delegação. Foi bastante intenso”, diz. Já em 2004, o médico foi convidado para ser membro do Comitê Olímpico Internacional pela Federação Internacional de Handebol. “Viajei o mundo inteiro discutindo regulamentação e melhores práticas para o esporte. Como profissional, foi uma experiência muito importante para mim”, comemora.
Outro destaque da experiência na ATP foi a convivência e o reconhecimento de grandes atletas. “Nossas práticas começaram a ser elogiadas pelas equipes de tal modo que o departamento médico do torneio começou a ser visto como um lugar de destaque. Foram muitos acontecimentos marcantes, mas não posso deixar de mencionar um encontro com o Rafael Nadal, um atleta extremamente focado. Para minha surpresa, em sua primeira passagem pelo Brasil, em 2004, seu staff me procurou para conversar sobre a saúde do atleta, se a alimentação que ele fazia estava adequada, questionavam aspectos de prevenção de lesões e medicamentos, o que era ou não correto, conveniente. A partir daí iniciamos uma relação muito bacana de troca de conhecimento. Dado seu comprometimento e simplicidade, não é à toa que o Nadal chegou onde chegou”, diz.
De acordo com o especialista, esse estudo ajudou a atrair patrocinadores, reduzir os custos da prova, e aumentar a performance dos atletas. “Com os dados sabíamos quais e quantos medicamentos seriam necessários, a quantidade e tipo de alimentos que eram indicados para consumo durante a prova, quais seriam as lesões mais comuns e qual seria a estrutura necessária para o pronto atendimento, entre muitos outros pontos. Então houve ganho para o atleta e para a empresa organizadora. Além disso, após a prova, tínhamos uma base de dados bastante rica e interessante para empresas de diversos segmentos. Ou seja, a medicina do exercício foi aplicada como ferramenta de inteligência de negócio. Construímos a ponte, o elo. Nascia ali o DNA da Víncero”.
O especialista acrescenta que os resultados na SPAMDE foram muito positivos. “Vínhamos de um congresso com um baixo número de inscritos e o desafio era fazer a sociedade crescer novamente. Terminamos a gestão com um congresso com quase 500 participantes, sendo que 80% eram médicos. Acredito que esse resultado se deu por meio de um trabalho forte de divulgação dessa nova forma de se enxergar e praticar a medicina do exercício”, avalia.
Apesar do apoio que recebeu da direção do hospital, havia a necessidade de provar em números a eficiência do projeto. Foi aí que, em 2010, iniciou uma profunda pesquisa junto a um público de 100 idosos sedentários, sendo que uma parte realizou atividade física supervisionada e outra permaneceu sedentária. Quase dois anos depois, a conclusão foi que a atividade física supervisionada aplicada a idosos sedentários colaborou para a redução do número de visitas ao pronto socorro, internações, tempo de permanência internado, realização de exames de maior complexidade e cirurgias, bem como melhorou a qualidade de vida desses indivíduos. Tudo isso, claro, quando comparados a idosos sedentários, com as mesmas características. A tese lhe garantiu apoio do hospital e, já em 2016, o título de mestre em ciências da saúde pela mesma instituição.
“Já realizamos mais de 7 mil atendimentos médicos e quase 4 mil prescrições de exercício físico ao longo de quase 5 anos. Desenvolvemos projetos específicos para o público idoso, indivíduos obesos, com osteoartrose de joelho, para citar alguns exemplos”, afirma o médico. Os resultados expressivos viabilizaram a criação do Serviço de Medicina do Exercício e do Esporte e a abertura da Residência Médica da especialidade. “A ideia agora é reproduzir o projeto em larga escala e em outros centros, além de criar situações que motivem o paciente a praticar exercício físico fora do hospital. Por essa razão, as parcerias com as academias e os clubes esportivos são de suma importância, afinal é por meio delas que ocorre a descentralização do programa. A meta é implementá-lo em todo o estado de São Paulo”, conclui o especialista, que inclusive permanece como diretor do Iamspe até hoje.
Para alcançar esse resultado, evidentemente, o trabalho foi árduo. “Foi preciso resgatar o interesse dos médicos pelo assunto novamente. Nesse sentido, investimos pesado na comunicação do conceito do exercício físico na promoção de saúde e na criação de conteúdos relevantes, com o objetivo de criar engajamento”, conta. “Aos poucos as coisas foram acontecendo. Creio que essa gestão da Sociedade Brasileira consolidou o conceito da medicina do exercício como terapia médica, e não apenas como ferramenta direcionada ao esporte de alto rendimento. Senti que o sistema de saúde e o mercado corporativo tinham total interesse nesse conceito e nós tivemos um apoio muito grande. E aí as coisas avançaram”, avalia.
Daher conta que quando chegou ao clube a organização do departamento médico estava muito distante da ideal. “Não havia prontuário do atleta organizado e, com isso, não existiam estatísticas de atendimento. Faltava a coordenação do médico do esporte que pudesse orientar o departamento a se organizar para registrar os diagnósticos dos atendimentos por modalidades, exames, cirurgias e todos os procedimentos, além da integração com a fisioterapia, nutrição, psicologia e o próprio esporte. Lesões, demora para o atendimento, recuperação dos atletas e falta de gestão financeira eram alguns dos problemas mais latentes. Nesse período, claro, o clube precisava manter os atendimentos aos atletas em dia. Então foi necessário um choque de gestão, com implementação de uma nova filosofia que abordasse todos os 120 funcionários do departamento médico, sem que a estrutura parasse”, relembra.
O médico explica que, dentro desse cenário, a solução encontrada foi buscar a normatização do Conselho Federal de Medicina. “As exigências do CFM serviram como guia, como passo a passo acerca do que precisava ser feito para a reconstrução de um departamento de saúde eficiente. Então iniciamos as mudanças: contratamos médicos, padronizamos o atendimento, organizamos e integramos as equipes de fisioterapia, nutrição, psicologia. As consultas só poderiam ser realizadas com agendamento e instituímos o prontuário eletrônico. Construímos uma nova estrutura física para o departamento, buscamos parceiros para realização de cirurgias e exames e hoje está tudo mais organizado. Contando parece que foi fácil, mas foi um trabalho de formiga”, revela.
Aos poucos, a gestão otimizou os recursos financeiros e melhorou a segurança e integridade física dos atletas, que se lesionam menos e se recuperam mais rápido. “O conceito da medicina do exercício e do esporte aplicado para fins terapêuticos, preventivos e educativos com uma gestão eficiente gerou melhores condições de saúde aos atletas e naturalmente os resultados aconteceram. Por exemplo, no segundo semestre de 2017, tanto a equipe de natação como a de handebol ganharam todas as competições que disputaram. O basquete também teve um dos melhores resultados dos últimos tempos. Mas é importante lembrar que o departamento médico não é o único responsável. Toda a estrutura do clube abraçou o novo projeto de reorganização para que, na ponta, o atleta tenha condições de exercer plenamente seu potencial”, explica.